Há três remédios que ainda não foram inventados: o remédio para a estupidez, o remédio para a paciência e o remédio para cortar laços. Num mundo perfeito, as pessoas iam à farmácia e pediam uma caixa de comprimidos para o bom feitio, ou umas injecções para os neurónios. Quanto aos laços, não imagino outro objecto senão uma tesoura bem afiada para cumprir a missão.Alguém devia inventar uma tesoura para cortar laços, sobretudo quando os laços já estão cheios de nós cegos e não há volta a dar. À falta de um objecto contundente que serviria para cortar o mal pela raiz, restam os procedimentos habituais; bater com a porta, deixar de telefonar, não atender chamadas, fazer exercícios de abstracção, em suma, fechar o coração.
FECHAR o coração é um exercício duríssimo para quem o tem... Estou a falar de pessoas com coração, que sabem dar e receber amor. Quem deixa um grande amor para trás carrega grilhetas tão ou mais pesadas do que aquele que fica sentado, pregado na pedra do porto, como canta Chico Buarque. Bater com a porta requer coragem, concentração e muita força de vontade. É preciso saber desistir e hoje em dia ninguém gosta de desistir de nada, muito menos do amor, até porque o amor é um bem escasso.... Mas afinal o que é o amor, senão uma soma nada matemática que engloba todas as sensações, sentimentos e estados?
Há algum tempo que desisti de definir o amor e passei a concentrar-me em entender onde reside o amor. Isto porque acredito que o amor em si não existe, o que existe são provas de amor. Logo, essas provas podem estar à vista de todos. E é por esta ordem de ideias que as pessoas ficam noivas, trocando promessas e anéis, e depois se casam, trocando mais promessas e mais anéis. As celebrações amorosas servem para selar o amor. Por outro lado, as rupturas amorosas não seguem preceitos nem rituais; cada um faz o melhor que sabe e aguenta-se como pode, engolindo a mágoa do conformismo, ou remando contra a maré.Como escreveu Truman Capote a morte de um sonho é tão triste e dolorosa como a própria morte, merece por isso o respeito e silêncio para com aqueles que a sofrem. Quando alguém desiste de um amor, está também a desistir de um sonho que já acalentou. E é muito difícil desistir. Abdicar de um amor dói, e essa dor dura, demora a partir.
Quem quer mesmo desistir tem de conseguir cortar o mal pela raiz, antes que os laços se tornem nós à volta do pescoço e do coração. É preciso pegar na tesoura e zás, cortar sem dó nem piedade, e sobretudo sem olhar para trás... (mpc)
04 outubro 2008
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