02 setembro 2009

O Regresso....!

O Retrato de Mónica

Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, "qualquer distracção pode causar a morte do artista". Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima e toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.Não é o desejo do amor que os une. O que os une é justamente uma vontade sem amor.E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio, o mais firme fundamento do seu poder.


Sophia de Mello Breyner Andresen
Contos Exemplares Porto, Figueirinhas, 1996 (29ª ed.).

Amizade e o Amor....!


A amizade e o amor já estão presentes há cinco anos. Com os amigos pode-se brincar, fazer-lhes confidências, contar segredos. Mas, da mulher que nos agrada, só queremos que olhe para nós e sorria. A amizade é logo sinónimo de confiança e de segurança, o amor é logo sinónimo de risco. E, durante toda a vida, amado e amigo são a nossa companhia mais íntima. A presença deles tranquiliza-nos, enche-nos o coração, ajuda-nos a enfrentar as dificuldades. Muitas vezes, após uma longa intimidade, a pessoa amada também se torna o amigo mais íntimo, aquele a quem se fazem confidências, junto do qual enfrentamos todos os problemas da vida.


O homem também tem alguém a quem revela outros aspectos da sua personalidade, e que o ajuda a fugir à rotina e lhe dá informações e conselhos. A vida dos nossos amigos é sempre uma fonte de ensinamentos para nós.É exactamente por isso que, sem amigos desses, nos sentimos exilados. É que o exílio não é apenas sermos obrigados a viver longe da nossa pátria, da nossa cidade, da nossa gente; é sobretudo estarmos separados das pessoas com quem podemos contar sempre, que nos são indispensáveis nas dificuldades. Viver no exílio pode ser muito amargo, mas suportável se tivermos connosco os nossos amigos do peito. É verdade que os filhos são importantes, mas não podemos confiar-lhes as nossas preocupações e angústias. Ao lado dos filhos, temos de ser sempre fortes; com os amigos podemos ser fracos, tristes, inseguros e até mesmo desesperados; podemos cair ao chão que eles ajudam-nos a levantarmo-nos. Augusto tinha enormes crises de ansiedade, mas tinha ao seu lado Agripa, a quem confiava o poder supremo. E que teria feito Marx sem Engels, que o sustentava e que, no final, até ajudou a publicar o livro "O Capital"?Há casais que não se apercebem da importância que pode ter um amigo. Orgulhosos da sua exclusividade, consideram--nos estranhos e chegam mesmo a afastá-los. Em vez de se reforçar, a relação de casal fica mais fraca, pois nenhum pode dar ao outro o mesmo que o amigo dava. Por vezes, basta um amigo não humano. Recordo- -me de uma mulher que obrigou o marido a ver-se livre de um cão rafeiro ao qual se tinha afeiçoado. Ele nunca se conformou com a ausência do amigo.


Francesco Alberoni

Sociólogo, escritor e jornalista